Imagens do dissenso. Proposições teórico-metodológicas para um modelo analítico de imagens ativistas


Universidade Federal do Paraná

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Resumo

Práticas ativistas por meio do design surgem na tentativa de enfrentar problemas latentes na conjuntura sociopolítica nacional. Nesse contexto, a produção de imagens ativistas por parte de coletivos emerge como uma forma de agenciar discussões políticas e influenciar opiniões. Através de uma revisão bibliográfica narrativa e da articulação dos conceitos propostos, nossa intenção neste artigo é delinear alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuam para o estudo dessas imagens fruto de um design politizado e orientado ao bem social. Ao final, propomos um modelo analítico de caráter inicial e que pode servir como um caminho para a pesquisa imagética em design ativismo.

Palabras clave
Design ativismo, Design Ativista, Análise de imagens, Política

Recibido
8 de setembro de 2023
Aceptado
31 de março de 2024

Introdução

O design enquanto área de atuação, busca a melhoria na qualidade de vida por meio de produtos, sistemas, serviços e experiências inovadoras, com foco principal em ambiente de negócios (WDO, 2015). Práticas ativistas por meio do design emergem como uma forma de enfrentar problemas de ordem social, política, ambiental e cultural, na tentativa de superar dificuldades, “questionando e confrontando o sistema, propondo contra narrativas e abrindo espaço para estratégias de participação política da sociedade nas esferas públicas de decisão” (Prado, 2021, p. 63). Historicamente, em cenários conturbados social e politicamente, os ativismos são formas de resistência utilizadas por diversos atores, conforme visto nas eleições presidenciais no Brasil no ano de 2022. Naquele contexto, houve uma profusão de discursos ideológicos, cada qual com seu viés político e identitário, no qual imagens ativistas circularam cotidianamente pelas redes, buscando em alguma medida influenciar a conjuntura política brasileira. Dentre seus articuladores, o recorte da presente pesquisa é o coletivo Design Ativista, responsável por organizar a campanha “Circuito Eleições 2022” nas redes, que tinha como objetivo “derrotar Bolsonaro e eleger uma Câmara que realmente represente a sociedade e faça valer a chamada ‘democracia representativa’” (Design Ativista, 2022).

Dentro da campanha “Circuito Eleições 2022”, as Convocatórias foram uma de suas formas de ação mais recorrentes, mobilizando inúmeros designers, artistas, ilustradores e pessoas engajadas que juntas produziram diversas peças gráficas (conteúdo) para divulgação massiva na rede social Instagram (medium)[1]. A produção e circulação dessas imagens, imbuídas de uma estética referencial aos acontecimentos políticos da época, nos provocaram a questionar ‘como analisar e interpretar as capacidades destas imagens de acionar e agenciar discussões político-ativistas?’.

Para respondermos a este questionamento, investigamos, neste artigo, aspectos da capacidade de uma imagem de propor discussões sobre possíveis mudanças na conjuntura política nacional brasileira. Compreendemos que, sozinhas, não possuem tal capacidade, mas produzidas e circuladas em contextos que congregam outras condições para mudanças, podem ser parte do que constitui espaços de diálogo possíveis. Neste sentido, os pontos chave para o seu desenvolvimento são: as representações e identidades que operam na instância imagética; a produção dessas imagens e a intermediações do design ativismo; o contexto de surgimento e circulação dessas imagens e a intertextualidade presente nos conjuntos das peças.

Dessa forma, pensamos na constituição dessas imagens não como um mero espelho da realidade, mas como uma “instância formadora de representações” (Schwarcz, 2014). Representações estas que agenciam discussões concretas dentro do campo material. Patrícia Azambuja e Fernando Gonçalves (2020) apontam, através dos estudos de Mitchell e Mondzain, que a experiência das imagens não pode ser entendida de forma deslocada de suas lógicas e práticas de codificação e de organização visual, muito menos de seus contextos de produção e circulação. Logo, nos interessa pensar as imagens ativistas como uma via paralela, onde os sujeitos produzem representações e são produzidos por elas. Uma representação construída através do ativismo destes sujeitos dentro dos contextos de lutas sociopolíticas em que estão inseridos.

Através de uma revisão bibliográfica de caráter exploratório, nossa intenção aqui é delinear alguns caminhos teórico-metodológicos que possibilitem um estudo mais aprofundado e crítico de imagens político-ativistas, propondo um modelo analítico de caráter inicial para seus estudos. Para tal, buscamos uma aproximação com as perspectivas teóricas de diferentes autores, tendo em vista as complexidades e necessidades do processo de análise destas imagens. Ao final, expomos como resultado um modelo para análise de imagens ativistas, e um exemplo de aplicação da ferramenta através da análise de duas peças relativas à campanha “Circuito Eleições 2022”, além de nossas considerações a respeito das contribuições, limitações e outros caminhos para a presente pesquisa. Nossa posição aqui não é a de esgotar as possibilidades analíticas de imagens políticas/ativistas que podem, e devem, ser exploradas e ampliadas. Salientamos ainda que este artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado, cuja temática central é Design Ativismo, atualmente em desenvolvimento no PPGDesign UFPR, na linha de Teoria e História do Design.

Das formas de olhar o dissenso: percurso teórico-metodológico

Como pontapé inicial, partimos da etapa descritiva, onde propomos a percepção das estruturas que compõem a imagem. Por conseguinte, nos afiliamos às propostas de Gillian Rose de que existem três locais onde os significados das imagens são produzidos: o local da imagem em si, o local da produção e o local de sua recepção. A autora propõe aqui pensar as imagens a partir da construção e organização dos elementos visuais (composicional), das condições que suscitam sua produção e veiculação (tecnológicas) e das relações e práticas sociopolíticas, econômicas e institucionais que produzem, interpretam e tensionam as imagens (social) (Rose, 2001, pp. 188-189). É necessário esclarecer que, dentro do escopo da presente pesquisa, nos apoiaremos apenas nos dois locais iniciais, composicional e tecnológico, tendo em vista os objetivos e as limitações deste artigo. Por final, buscamos compreender o contexto histórico e sociopolítico de criação das imagens, além da intertextualidade que as peças estabelecem entre si.

Imagem I
Síntese visual do percurso teórico-metodológico.
Fonte: os autores (2023).

Os conceitos e métodos apresentados e articulados a seguir buscam pensar esses lugares (composicional e tecnológico) de uma forma que ao analisar o contexto seja possível dar a volta na imagem e entender suas articulações. Consideramos aqui que os conceitos e autores acionados serão pensados de maneira integrada para análise, visto que é importante pensar que essas instâncias de análise e interpretação são atravessadas e tensionadas umas pelas outras, não ocorrendo de forma linear e separadas. Além disso, entende-se que elas são igualmente perpassadas por relações de poder que, como aponta Rose, além de saturarem esses lugares também nos saturam como pesquisadores (Rose, 2002, p. 203).

Avaliar e Descrever Imagens

Iniciamos nossas proposições partindo de um exercício básico, a descrição das imagens. Laurent Gervereau define a etapa descritiva como essencial para a análise imagética, tendo em vista que “grande parte da nossa cegueira face às imagens decorre do facto [sic] de as consumirmos como elementos de um sentido primeiro, sem nunca as inventariarmos” (Gervereau, 2004, p. 45). Logo, ao descrevermos os elementos presentes na imagem atingimos possibilidades interpretativas muito mais complexas.

Da mesma forma, Martine Joly (2000) argumenta como esta etapa descritiva é capaz de proporcionar a “distinção dos diferentes tipos de mensagens” (Joly, 2000, p. 82) que estão presentes nas imagens. A autora ainda complementa, enfatizando como este processo nos auxilia a fragmentar a mensagem em outras unidades, remetendo ao “nosso modo de percepção e de fragmentação do real em unidades culturais” (Joly, 2000, p. 82). Ao assumirmos esta postura, compreendemos esta etapa como essencial dentro do processo analítico, uma vez que a percepção dessas outras estruturas que compõem o todo nos auxilia a compreender as articulações dentro e fora das imagens.

Procedendo de uma adaptação do protocolo formulado por Cláudia Regina Hasegawa Zacar (2018) em sua análise imagética, elencamos algumas categorias descritivas das imagens ativistas que podem servir de base para esta etapa do processo. Em primeira instância, buscamos descrever quais são os componentes gráficos e textuais que estão em sua constituição. A categoria de complemento textual busca especificar o uso ou não de legendas explicativas que são transmitidas com a imagem, dada a concepção de Zacar (2018), ancorada nos estudos de Barthes (1990), de que o uso conjunto de imagens e textos também compõem um dos muitos significados das imagens (Zacar, 2018, p. 43). A categoria seguinte diz respeito ao movimento ativista em que a imagem foi produzida e veiculada, dada a capacidade de compreendermos de forma mais específica seu contexto. E como última categoria, a descrição das informações sobre autoria e produção da peça.

A instância das imagens: Representação e Identidade

A partir das informações observadas e catalogadas na etapa anterior, iniciamos um processo mais complexo de análise destas imagens, partindo do estudo composicional. Dessa forma, propomos inicialmente uma aproximação com os Estudos Culturais, principalmente no que diz respeito ao conceito de representação. Procuramos aqui pensar em como as representações são construídas a partir destas imagens, quais as intenções que a cercam, as relações que se estabelecem dentro delas, ou seja, as estruturas que se articulam e se tensionam no seu processo constitutivo. Assim, a partir dos estudos do antropólogo Stuart Hall, entendemos o conceito de representação como “a maneira pela qual o significado é de alguma forma atribuído às coisas que são retratadas através das imagens, ou seja, lá o que for, nas telas ou nas palavras de uma página que representam o que estamos falando”[2] (Hall, 1997, p. 7. Tradução própria).

Longe de pensar que esse significado é fixo, Hall ainda estabelece como a representação é constitutiva do objeto, ou seja, ela ocorre dentro do objeto em um processo em que o significado é atribuído, porém nunca fixado, mudando conforme o contexto histórico, o sujeito, o grupo social, entre outros. O significado só é possível quando ele é representado (Hall, 1997). Partindo de um diálogo com as concepções desse mesmo autor, Vera R. V. França entende que as representações, na sua natureza de produção humana e social, possuem uma dimensão interna e externa aos indivíduos, onde percebem e são afetados pelas imagens em um processo de percepção e afecção e, desses processos, as devolvem ao mundo na forma de representações (França, 2004, p. 19). A partir do que Hall e França colocam é possível pensar nessa relação paralela onde as representações são formadas pelos sujeitos e vice-versa, ao mesmo tempo como essa relação se mostra longe de ser dicotômica, pois é engendrada por uma série de outros fatores que atravessam as imagens e sua constituição.

Paul Du Gay, Stuart Hall, Linda Janes, Hugh Mackay e Keith Negus (1997) argumentam que os significados não surgem diretamente do artefato em si, mas da maneira como ele é representado na linguagem, no discurso e nos conceitos e ideias que detemos em nossa compreensão do mundo. Em um mesmo sentido, Joly (2000, p. 30) aponta como um signo só é tido como signo detentor de significado quando o mesmo exprime ideias e suscita nos sujeitos uma atitude interpretativa. Em um contexto de prática ativista, os sujeitos que compõem aquele grupo/coletivo tendem a compartilhar uma gama de concepções e entendimentos que auxiliam na compreensão de dado artefato, é o que Hall chama de “mapas conceituais” (Hall, 1997, p. 10). Esses mapas são compreendidos e assimilados por aqueles indivíduos, e seus significados são exteriorizados por meio da linguagem, sendo atravessados por uma gama de discursos/quadros de entendimento (Hall, 1997) que dão um sentido significativo para as imagens produzidas por designers ativistas.

Um artefato, seja ele material ou virtual, adquire sentido em parte quando ele é representado. Du Gay et al. (1997) argumentam que existem estratégias representacionais que são responsáveis por construir essas concepções. Segundo os autores, é possível classificar essas estratégias em quatro locais: primeiramente, através da cadeia de significados, onde os significados pré-existentes são estendidos de algo que já temos conhecimento para algo novo; por conseguinte, um outro lugar diz respeito às redes semânticas, onde se compreendem os diferentes discursos que são associados a um objeto e, consequentemente, expandem seus significados; além disso, enfatiza-se a necessidade de marcas a semelhança e diferença do artefato com relação a outros como forma de posicioná-lo ou dar sentido a ele; e por último, as formas que os significados são adquiridos ao serem articulados com temas-chaves da cultura em dada temporalidade (Du Gay et al., 1997, pp. 24-25). Tomaremos nesse recorte os conceitos e ideias dos autores em relação às cadeias de significados e redes semânticas.

Isso posto, voltamos à etapa inicial das nossas proposições. A descrição de imagens visa nos ajudar a construirmos um corpus material que possibilite sua interpretação, assim, ao olharmos para ele nos perguntamos primeiramente quais os significados comuns aos elementos que compõem a imagem são possíveis de depreender da imagem? Essa primeira indagação parte do que Du Gay et al. (1997) entendem por “cadeia de significados”, uma vez que

Passamos de significado em significado ao longo de uma cadeia de significados que não tem começo nem fim. Assim, representamos o novo ‘mapeando’ o que já conhecemos. Ou construímos significados dando a significados antigos novas inflexões […]. Ou contestamos o significado, substituindo um significado antigo por um novo[3] (Du Gay et al., 1997, p. 14. Tradução própria).

Em um exemplo mais concreto, qualquer elemento que é utilizado pelos designers ativistas, sejam eles pictóricos, imagens ou fotografias, estão igualmente carregados por uma série de outros significados que circulam nas diferentes esferas da sociedade. O uso de uma bandeira LGBTQ+ ou a imagem de uma figura política dentro da composição de uma imagem possuem uma gama de sentidos possíveis, mas que ao mesmo tempo são conhecidos e convencionados pelas pessoas que produzem e consomem aquela imagem.

Então, como esses elementos, já dotados de múltiplos significados, são representados? Du Gay et al. (1997) explicam que os significados já convencionados são expandidos à medida que são atravessados e tensionados por uma gama de discursos, o que os autores chamam de redes semânticas. Ao se conectarem com elas, as conotações de um dado objeto são modificadas, expandidas ou fortalecidas. Assim, é necessário entender que essas representações ativistas são condicionadas por diversas redes semânticas que expandem os significados, de forma que as representações de caráter ativista produzidas por designers são atravessadas e tensionadas por discursos que estão naquela instância de luta e contestação política. Logo, cabe pensar aqui quais os discursos que operam naquela instância, como eles constroem uma outra representação do que já é convencional e quais as conotações que são possíveis de serem depreendidas daquela representação.

Ainda no que tange a imagem como local de análise, Hall (1997) aponta que toda a gama de imagens visuais possui atrelada a ela uma forma de etiqueta que a identifica. é através dela, das relações com o nosso olhar e da reinvindicação daquela identidade –“de quem é a coisa ou a que ela pertence” (Hall, 1997, pp. 17-18)– que a imagem também constrói representações. Passamos aqui das concepções de representação para o que é entendido como identidade, não deixando de entender como uma pode ser condicionada pela outra.

Kathryn Woodward (2000) entende que as identidades “adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas” (p. 8), e ainda, sugere que esses mesmos sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos, o que podemos nos tornar e o que não somos, estabelecendo identidades individuais e coletivas. Ao refletir sobre as identidades que estão ou não atreladas às imagens ativistas, podemos compreender como essas imagens são capazes de representar algo com o qual aquele grupo se identifica, os diversos discursos de luta por emancipação e direitos. Há significados acumulados por aqueles sujeitos que faz com que se identifiquem dentro de suas formações discursivas e os internalizem, interpretem e expressem na forma de imagens ou veiculação daqueles materiais, pois como argumenta a autora supracitada: “os sistemas simbólicos fornecem novas formas de se dar sentido à experiência das divisões e desigualdades sociais e aos meios pelos quais alguns grupos são excluídos e estigmatizados” (Woodward, 2000, p. 20).

Du Gay et al. (1997) expõem o conceito de identidade em uma relação de semelhança e diferença, onde o significado é atribuído ao objeto na relação com aquilo com o que ele se parece e o que não é. Dentro dessa ótica, consideramos pensar as identidades que engendram os sujeitos e os coletivos ativistas como formulações advindas de intersecções e tensionamentos dos discursos, representações e práticas sociais de cada um. As identidades dissidentes são construídas dentro de um discurso específico e em relação com outros ativismos semelhantes, sendo posta em relação de diferença perante as manifestações contra as quais lutam.

Para essas representações ativistas funcionarem é necessário que as pessoas se identifiquem com elas, com as características dos movimentos sociais e políticos em que estão inseridos. Assim, pensamos como possível local de análise as identidades sociais que estão atreladas àquela imagem e que constituem os grupos e as pessoas que as produzem, consomem e ressignificam. Cabe pontuarmos que as lutas por reinvindicações sociais e políticas passam pela busca e luta da afirmação e reconhecimento de identidades, mas que as mesmas, assim como os significados, são fluídas. Pois como aponta Woodward (2000), em diálogo teórico com Hall (1990), “aqueles que reivindicam a identidade não se limitariam a ser posicionados pela identidade: eles seriam capazes de posicionar a si próprios e de reconstruir e transformar as identidades históricas, herdadas de um suposto passado comum.” (Woodward, 2000, p. 29).

Dessa forma, nos perguntamos quais identidades estão sendo construídas? Que identidades estão sendo reafirmadas? É possível depreendermos como aquele grupo se identifica através da representação analisada? De quais grupos e/ou entidades eles querem se diferenciar? Quais identidades sociais estão relacionadas a ele? Quais grupos sociais estão envolvidos naquela representação? Como os sujeitos que consomem e se apropriam daquelas imagens se identificam? Essas são apenas algumas das questões possíveis para pensarmos a identidade como uma instância de análise dentro de um dos locais possíveis para se investigar a imagem em si mesma.

Design e designers ativistas: produção e intermediação

Deslocamos agora nossa atenção das questões relativas ao estudo composicional e movemos nosso olhar para a instância tecnológica das imagens, local que compreendemos a partir dos designers que articulam a produção e o processo de design. Acionamos novamente Du Gay et al. (1997) dentro da perspectiva dos Estudos Culturais para pensar o local do design neste processo de análise. Os autores apontam como os designers, em seus regimes de produção, necessitam incorporar aspectos culturais nos artefatos que projetam, codificando estes objetos com significados simbólicos (Du Gay et al., 1997, p. 62).

A partir dessas considerações, nos afiliamos ao entendimento sobre design dos autores supracitados, que em diálogo com o sociólogo Pierre Bourdieu, propõem pensar os sujeitos designers como intermediários culturais:

Pelo termo ‘intermediários culturais’, Bourdieu está se referindo a esse grupo cada vez mais importante de trabalhadores que desempenham um papel ativo na promoção do consumo ao atribuir a produtos e serviços significados particulares e ‘estilos de vida’ aos quais os consumidores irão se identificar. De forma simples, eles podem ser definidos como pessoas envolvidas na oferta de bens e serviços simbólicos[4] (Du Gay et al., 1997, p. 62. Tradução própria).

Ao nos basearmos nesse conceito, é possível pensar os designers ativistas como intermediadores entre as produções do coletivo Design Ativista e as pessoas que são interpeladas por aquelas imagens. Em nosso entendimento, compreendemos que estes profissionais e criativos estão inseridos dentro dos movimentos sociais para e nos quais produzem estas peças gráficas, participando também ativamente das lutas por mudanças social e política. Logo, é perceptível a utilização de métodos e táticas por parte dos profissionais do design na produção e constituição dessas peças como uma forma que articula por meio do design o encontro entre o mundo visual, as representações, com o material, os acontecimentos políticos (Julier, 2006).

Ann Thorpe (2012), ao estudar as possiblidades do design se apropriar de estratégias e métodos de movimentos sociais aponta algumas táticas de design ativismo[5], das quais elencamos dois deles dentro do escopo dessa pesquisa: os artefatos de protesto, o que se entende por “estrutura de protesto, produto, espaço, local, plano, frequentemente de oposição, artefatos ofensivos ou confrontacionais que levam à reflexão do status quo”, e comunicação, ou seja, a produção “de informação visual ou tática, criando símbolos: um esforço em preservar ou expandir símbolos que signifiquem ou representem algo por associação.” (Thorpe, 2012, p. 138). A partir do que expõe a autora, é possível analisarmos de que forma estas táticas de design ativismo estão atuando na produção daquelas peças, quais as implicações nas representações que são feitas, e as interações que essas produções permitem. Guy Julier (2015), traz contribui ao pensamento ao explicar como o design ativismo, ao envolver o desenvolvimento de artefatos que se encontram na realidade temporal e espacial:

Situa-se em contextos e processos cotidianos da vida social e econômica. Como intervenção, move-se dentro dos desafios das circunstâncias pré-existentes, ao mesmo tempo em que tenta reorientá-las. Desta forma, o design ativismo também opera entre os seus outros[6] (Julier, 2015, p. 226. Tradução própria).

O autor ainda articula outras proposições que nos ajudam a pensar o design ativismo como uma categoria da análise da produção da imagem. Julier (2015) desenvolve, através de suas proposições a respeito do Design Culture, outras concepções de se pensar a prática do design voltada para o ativismo, elencando quatro pontos cruciais:

> Intensificação: onde o artefato produzido busca produzir novas formas de cognições e práticas, ao mesmo tempo que politiza o indivíduo. Fornece algo que serve como meio para que as preocupações possam ser postas em práticas e refletidas.
> Co-articulação: o objeto ativista funciona como uma forma das preocupações sociais e coletivas estarem presentes na prática cotidiana. Uma materialização da participação dentro dos movimentos sociais.
> Temporalidade: o trabalho do designer com e ao lado das pessoas e seus interesses, em uma evolução contínua desse trabalho conjunto. O profissional está integrado ao público e compartilha as responsabilidades.
> Territorialização: perspectiva onde o designer atua na promoção de mudanças benéficas à sociedade dentro do território, reformulando as relações entre objeto e sujeito para que haja modificações no local onde atua.

Ampliando a discussão dentro das práticas de design ativismo que estão codificando mensagens naquelas representações, é possível tomarmos o conceito de hacking como um ponto de compreensão daquelas peças. Fábio de Oliveira Martins (2022) explica como o termo, quando apropriado por designers aquire novos significados do que seu uso comum em áreas como a computação, marketing digital e direito. Assim, quando é tomado por designers ativistas, o hacking serve como uma forma de

transpor para o ativismo algo daquilo que anteriormente associavam apenas ao ofício do design, ou ao seu lado mais voltado para o mercado, calibrando esta transposição de acordo com a disponibilidade de pessoas, de máquinas, de tempo e de técnicas digitais –como colagem digital, ilustração vetorial, motion graphics e design de experiência de usuário (Martins, 2022, p. 18).

Assim, a partir das proposições e articulações que se estabelecem dentro das teorias e conceitos desenvolvidos por esses autores, é possível construirmos um olhar mais crítico na tarefa de analisar como essas imagens são produzidas e quais os papéis que elas desempenham. As práticas de design ativismo orientam algumas indagações possíveis, como por exemplo: a forma que essas imagens são produzidas, quais técnicas e estéticas estão sendo apropriadas (ou hackeadas) e como isso é feito, como aquele produto está sendo veiculado e onde, e até mesmo como ele está codificando os discursos ativistas através dele? Esses questionamentos dão margem para uma análise mais aprofundada de como o design intervém nesses objetos e como os designers articulam produção e consumo.

Pensar as imagens em contexto

Além do que concerne as formas de olhar a partir das representações, identidades e o papel do design no processo de produção e intermediação contidas nestas peças, um fator tão importante quanto reside na compreensão contextual de produção e circulação das imagens. Como aponta Ana Maria Mauad, as imagens visuais engendram sua capacidade narrativa conectadas a uma dada temporalidade (2005, p. 135), logo, ao inferirmos o contexto social, político e cultural no qual estão localizadas, esboçamos caminhos mais concretos na sua interpretação. Da mesma forma, França (2004) define esta relação da seguinte forma:

As representações estão intimamente ligadas a seus contextos históricos e sociais por um movimento de reflexividade –elas são produzidas no bojo de processos sociais, espelhando diferenças e movimentos da sociedade–; por outro lado, enquanto sentidos construídos e cristalizados, elas dinamizam e condicionam determinadas práticas sociais (p. 19).

Importante pontuar aqui que localizar o contexto em que essas peças são desenvolvidas ao mesmo tempo que elas retratam os acontecimentos históricos e sociais que acontecem em um devido recorte temporal, elas também são uma constituição, isto é, uma construção do modo de ver, ler e interpretar o mundo. Dessa forma, procuramos no processo de pesquisar e descrever o contexto uma forma de interpretarmos como e por que aquelas imagens ativistas foram concebidas. Mas como fazemos isso? A partir de quais dados e pressupostos partimos para podermos depreender em qual conjuntura aquela peça foi criada e está inserida?

Gervereau, ao indicar coordenadas possíveis para o estudo do contexto de uma imagem, classifica duas etapas necessárias para a construção do corpus de análise: primeiro, o “contexto a montante”, relativo a três fatores, sendo eles a origem técnica da imagem, o sujeito responsável por sua autoria e o contexto social exterior de sua criação; segundo, o “contexto a jusante”, que se dá pela definição de sua difusão momentânea ou posterior ao ser concebida e os indícios possíveis de sua recepção (Gervereau, 2004, pp. 53-76).

Em sua pesquisa, focada em fotografias veiculadas no passado carioca do século XX, Mauad (2005) coloca o seguinte: “as imagens são históricas e dependem das variáveis técnicas e estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes visões de mundo concorrentes no jogo das relações sociais” (p. 143). Logo, pensamos aqui como o contexto histórico de produção dessas peças configura-se como um fator decisivo em sua construção.

A partir disso, em um processo de análise de imagens ativistas, elencar os acontecimentos que suscitaram seu aparecimento pode ser feito em algumas instâncias:

> Circunstâncias técnicas de produção: definição dos aparatos tecnológicos que proporcionaram o seu aparecimento.
> Coletivos e sujeito: quem são os seus autores e quais são as práticas ativistas que eles desempenham em meio a uma luta por mudanças no status quo.
> Cenário histórico: delineamento dos acontecimentos culturais, sociais e políticos que motivaram sua produção e as conexões estabelecidas entre eles.
> Circulação da imagem: qual o momento de sua difusão e por quais mídias.

Gostaríamos de deixar aqui dois pontos de atenção. Primeiro, quando falamos de delinear o cenário histórico onde aquela prática de representação ativista está acontecendo, é necessário que levemos em conta as disputas contextuais que estão ocorrendo em um mesmo cenário. Logo, ao compreendermos um dado acontecimento político como ativista, por exemplo a reinvindicação de direitos LGBTQ+, precisamos ter em mente que há um cenário contrário que é tido como uma estrutura de dominação, a falta de direitos para essas populações no caso do exemplo citado. Dessa forma, examinar o contexto aqui deve sempre levar em conta a narrativa que mantém o funcionamento do status quo e a narrativa vai contra essa narrativa.

Outro ponto é em relação aos produtores de imagens e suas práticas ativistas. Gervereau (2004, p. 66) ainda aponta que as técnicas de coleta de testemunhos, como a história oral, auxiliam no processo de pesquisa e entendimento dos contextos de produção dessas imagens. O contato com os designers que produzem essas as representações ativistas, quando for possível, pode nos dar pistas possíveis de uma análise mais profunda dos modos de fazer e suas implicações.

Imagens ativistas em articulação: uma forma de pensar o conjunto

Da mesma forma que uma imagem é capaz de articular interpretações e formação de um sujeito político quando inseridas em seu contexto de produção e circulação, há ainda uma questão que carece de respostas quanto aos seus atributos de influência: como esta imagem age em conjunto com outras imagens? Propomos aqui, como finalização deste percurso teórico, uma categoria final de análise, a etapa intertextual do estudo, onde pensamos o conjunto de imagens ativistas que são veiculadas em determinado contexto.

Logo, pressupomos que estas imagens, por mais que sejam capazes de acionar imaginários e discussões, agem de forma coordenada dentro de um cenário político de disputas de narrativas. Em sua leitura de imagens dentro de um viés historiográfico, Mauad (2005) propõe um olhar intertextual para as imagens, pensando-as como um corpus reunido em torno de um determinado tema ou agência de produção, verificando suas similaridades e diferenças no processo de produção de sentido social. Lilia Moritz Schwarcz (2014) também aponta alguns caminhos analítico-interpretativos das imagens dentro de um jogo complexo de visualidades em paralelo com a recepção e interpretação dos sujeitos.

A noção de intertextualidade também é abordada por Hall nos estudos de representação, onde o autor especifica este conceito como “a acumulação de significados em diferentes textos, em que uma imagem se refere a outra ou tem seu significado alterado por ser “lida” no contexto de outras imagens” (Hall, 2016, p. 150). Ao analisarmos as imagens dentro de seus conjuntos, podemos compreender como se dão as interações entre elas e como elas são capazes de articular de forma coordenada os discursos que giram em torno das pautas ativistas e corroborar para a afirmação da identidade e intencionalidades daquele grupo.

Proposição de um modelo analítico de imagens ativistas

Com base no caminho teórico-metodológico percorrido podemos considerar alguns aspectos-chave que ajudam a caracterizar as imagens como ativistas e que podem auxiliar em sua análise. A fase inicial buscou tratar alguns conceitos onde a descrição é tomada como uma etapa crucial no processo de estudo dessas peças. Através dos conceitos expostos anteriormente sobre esta categoria, traçamos algumas proposições e locais iniciais para o estudo descritivo dessas imagens. As categorias de descrição estão representadas no quadro a seguir:

Dentro deste local, a descrição, assim como expomos a partir de Gervereau (2004) e Joly (2000), não visa somente perceber as quais elementos e informações dizem respeito à imagem, mas também abrir o olhar para o que a imagem está propondo nela e através dela. Este exercício visa escrutinar pontos importantes a cada vez que é realizado, tecendo ao mesmo tempo uma teia de pontos que podem ser analisados através do que foi proposto subsequentemente. É por isso que a descrição de imagens não é uma tarefa simplória, mas um passo importante dentro do processo de análise e que deve ser feito com atenção e repetidas vezes para um estudo mais aprofundado.

A partir do que foi descoberto na exploração informacional da imagem, chegamos em possíveis maneiras de analisar estas informações. Com base no que propomos sobre o local da imagem em si, as articulações através do design, o contexto e as interações entre as imagens, a segunda fase do estudo busca examinar tais achados de forma mais complexa. O segundo quadro detalha os direcionamentos possíveis para estas análises:

A partir dos estudos de Hall (1997 e 2016), Du Gay et al. (1997), Woodward (2000), França (2004) e Joly (2000), as seções de representação e identidade puderam ser construídas articulando conceitos essenciais para se pensar a imagem em si como uma instância de interpretação. A construção de significados por meio das representações ativistas se localiza dentro de uma arena de disputas com outras imagens de vieses ideológicos distintos e amplos, e as formas de como elas trabalham para construir um regime de representação orientado pelo ativismo de seus produtores e consumidores possuem pertinência quando nos propomos a estudar como esses coletivos estão atuando. As identidades sociais, políticas e culturais desses sujeitos são passíveis de serem levantadas e estudadas a partir das perspectivas sugeridas, acessando outras instâncias das imagens que nos ajudam a entender como eles se entendem dentro das representações e como a identificações é gerada através delas.

Ainda no que se refere a imagem como campo de estudo, a partir de um olhar sobre o conjunto de imagens visamos pensar quais os outros possíveis significados para as imagens. Nos apoiamos em Rose (2001) para pensar como estas imagens ativistas dependem uma das outras e dos significados transportados entre elas para construírem um agenciamento de discussões políticas que atinja as pessoas. Entendemos que o estudo desse local é de grande importância para compreender como as ações ativistas estão ocorrendo e o que e por que estão produzindo.

Em uma intersecção entre as imagens e sua produção e intermediação, propomos pensar os contextos de produção e circulação das peças estudadas. França (2004), Mauad (2005) e Gervereau (2004) foram essenciais para pensarmos as interações que ocorrem entre as imagens e as circunstâncias de seu aparecimento, e como isso está produzindo significados. Da mesma forma que não podemos entender as representações e identidades fora de seus contextos sociais, políticos e culturais, não é possível buscar uma compreensão sobre seus processos de produção e mediação se não compreendermos quais acontecimentos se dão ao redor e dentro dessas peças, quais histórias coletivas e pessoais estão em jogo, e como a tecnologia do período interpela essas imagens.

No que diz respeito ao local de produção da imagem e intermediações, os estudos a partir das perspectivas do design ativismo torna o olhar sobre as produções direcionado para as produções dos coletivos que utilizam as ferramentas do design como forma de materializar seus discursos. Assim como Rose (2001) aponta, as circunstâncias de produção de imagens e as tecnologias visuais utilizadas contribuem para a forma, os efeitos e os usos que estas peças podem possuir. Tendo isso em vista, a compreensão, por exemplo, de processos de briefing, organização coletiva da produção ou as apropriações que designers ativistas realizam em suas peças podem ajudar a compreender como o significado está sendo codificado naquelas imagens que vão de acordo com as intencionalidades de seus produtores. As condições tecnológicas de aparecimento e como o meio também influencia na produção e circulação das imagens também merecem uma atenção especial, pelo fato de seu estudo poder revelar alguns caminhos para entender as interações entre meios e produções ativistas em um contexto contemporâneo dos movimentos sociais.

As categorias de classificação propostas anteriormente servem como uma forma de elencar alguns caminhos pelos quais são os elementos que constituem as imagens ativistas. Assim como Hall (2016) aponta, significados não podem ser fixados, logo, entendemos que essa construção classificatória também não é fixa, pode e deve ser expandida e adaptada. Dessa forma, o próprio processo de análise é capaz de abrir novas perspectivas possíveis de serem exploradas dentro do escopo delineado para a pesquisa.

Como forma de apresentar possíveis articulações que podem ser feitas com a utilização do roteiro acima, apresentamos abaixo uma breve análise de duas imagens publicadas pelo coletivo Design Ativista, durante as eleições presidenciais brasileiras de 2022, na rede social Instagram.

Estas imagens (Imagem II, na página 16) foram veiculadas pelo coletivo Design Ativista via rede social Instagram, sendo parte da campanha “Circuito Eleições 2022”, promovida pelo coletivo. A imagem da esquerda, de autoria de Diego Rosendo, contém uma ilustração composta por três níveis de camadas, onde o fundo verde é sobreposto por um losango amarelo em posição vertical. Estas camadas são sobrepostas pela figura de uma mão em primeiro plano, de cor azulada, com três de seus dedos recolhidos, polegar levantado e indicador como se estivesse “caído”. A legenda que acompanha a imagem inicia com “07 de Setembro > Independência pra Quem?”, seguida dos dizeres: “Se posicione contra ele, sem falar dele. Hoje é dia de quebrar a Internet, furar a bolha para garantirmos a democracia!”.

Imagem II
Imagens da campanha “Circuito Eleições 2022”.
Fonte: Instagram Design Ativista (2022).

Na imagem da direita, temos em sua parte superior os dizeres “ELE VOLTOU”, em caixa alta, com os logotipos da Mídia Ninja e Design Ativista acima, em escala menor. Abaixo da frase há a imagem em preto e branco do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que aperta a mão de alguém da multidão, enquanto olha para os olhos de um menino levantado nos ombros por uma das pessoas presentes. A criança, sorrindo, toca a face de Lula. A imagem é acompanhada da legenda “O BEM VENCEU!”.

Quanto às representações, percebermos dois caminhos trilhados. Na imagem da esquerda, parece haver uma tentativa de fixação de um significado em torno da figura de Jair Messias Bolsonaro, utilizando de ironia para se referir ao presidente na época. Isso porque, em diversos momentos, ele se autorreferenciou como “imbrochável”. Assim, entendemos que esta representação busca não somente associar sua figura política a uma ineficácia governamental, mas também ser uma provocação de que ele seria derrotado no pleito de 2022, perdendo ser poder. Já a representação apresentada na imagem da direita, que anunciava a vitória de Lula, busca apresentar sua figura como protetora da população e amorosa, em contraposição ao candidato concorrente que tinha discursos armamentistas e violentos. Também pode apontar para o retorno de uma fase na política brasileira que gere avanços significativos nas camadas minoritárias da população.

Ao analisarmos a identidade do grupo social produtor podemos acionar a intertextualidade entre elas e seu contexto de produção e veiculação. Ao serem veiculadas em meio a campanha eleitoral presidencial brasileira em 2022, as duas imagens, fazem parte do estabelecimento (ou do reforço) de um palco de disputa narrativa. Colocam os dois candidatos mais fortes da disputa eleitoral em lados antagônicos, como se representação do bem (Lula) e do mal (Bolsonaro). Através dessa intertextualidade, compreendemos que o grupo se identifica não somente como apoiador de Lula nas eleições, mas também, por sua postura ativista, explicita sua visão política e seus desejos por um país com futuros mais dignos para todas as camadas da população.

No que diz respeito aos processos de design e sua relação com o meio de veiculação entendemos que ambas as imagens podem ser vistas como peças de comunicação. Contudo, a imagem da esquerda pode ser lida também como um artefato de protesto, já que usa da ironia visual para confrontar o governo vigente da época. Produzidas para serem circuladas em meio digital, tais imagens, ao estarem nesse ambiente, não somente possuem uma capilaridade para circularem dentro e fora da bolha do coletivo, mas também entrarem em uma disputa de narrativas com outras imagens que circularam no mesmo período.

Considerações Finais

No presente artigo buscamos delinear e articular alguns pressupostos teóricos e metodológicos, o que resultou em um modelo inicial para análise de imagens ativistas, apresentando ao final um exemplo de aplicação do modelo proposto. Entendemos que este modelo preliminar, que partiu das imagens de uma chamada específica de um coletivo, pode ser uma ferramenta para investigar e refletir a respeito das articulações também de outros coletivos que utilizam o design como ferramenta politizada para o ativismo. Como citado anteriormente, este artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento que visa estudar a atuação do coletivo Design Ativista dentro das eleições presidenciais de 2022 no Brasil. Assim, o estudo teórico-metodológico e o modelo analítico propostos visam atingir alguns dos objetivos que delineiam a referida pesquisa. Não obstante, compreendemos que a realização desse estudo pode contribuir para estudos e discussões futuras sobre o tema.

Dado às condições preliminares do estudo, ainda que tenhamos apresentado dois exemplos, reiteramos como esta ferramenta ainda passará por testes e revisões para que haja um aprimoramento dos estudos. A realização de testes pilotos, ancorados nas exigências do Comitê de Ética local, visará identificar quais as lacunas e necessidades de ajustes.

Salientamos que, no exemplo de aplicação realizado na seção anterior, procuramos de forma breve aplicar alguns dos direcionamentos presentes no modelo proposto. Logo, o atendimento a todos os aspectos em profundidade não foi possível. Questões como as redes semânticas dos discursos das imagens e os outros possíveis significados, de quais grupos o coletivo procurava se diferenciar, as circunstâncias técnicas de produção e seus processos de briefing e atuação local são algumas das proposições que não puderam ser respondidas. Dessa forma, a não exploração de tais elementos aqui pode se configurar como portas abertas para estudos futuros dessas imagens.

Dentre as possibilidades que se expandem a partir da presente pesquisa e dos locais que não puderam ser contemplados por conta do escopo delineado, o estudo das mediações e as percepções da sociedade sobre as peças ativistas se colocam como possíveis abordagens para uma continuação das pesquisas. Devido as características da pesquisa por nós desenvolvida, compreendemos que nosso papel é estudar como essas imagens se dão por meio do design ativismo e quais implicações históricas e sociopolíticas as produzem e são produzidas por elas ■

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REERENCIAS

  • Azambuja, Patrícia e Gonçalves, Fernando do Nascimento (2020). Mise-en-scène plástico: por uma abordagem teórico-metodológica para análise de imagens [pp. 94-116]. Em Leticia Conceição Martins Cardoso e Márcio Leonardo Monteiro Costa (Orgs.), Experiências expandidas em Comunicação vol. II. São Luís: EDUFMA.
  • Barthes, Roland (1990). O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • Design Ativista (2022). Circuito Eleições 2022. [Em linha]. Instagram. https://www.instagram.com/p/CeerQ3dvbc1/?img_index=1
  • Du Gay, Paul; Hall, Stuart; Janes, Linda; Mackay, Hugh e Negus, Keith (1997). Doing Cultural Studies: The Story of the Sony Walkman. Thousand Oaks: SAGE Publications.
  • França, Vera R. V. (2004). Representações, mediações e práticas comunicativas [pp. 13-26]. Em Miguel Pereira; Renato Cordeiro Gomes y Vera Lúcia Follain de Figueiredo (Orgs.), Comunicação, Representações e Práticas Sociais. Rio de Janeiro: PUC-Rio.
  • Gervereau, Laurent (2004). Ver, Compreender, Analisar as Imagens. Coimbra: Edições 70.
  • Hall, Stuart (2016). Cultura e Representação. Rio de Janeior: PUC-Rio/Apicurai.
  • Hall, Stuart (1997). Stuart Hall. Representation & the Media. [Entrevista de S. Jhally]. [Arquivo PDF]. Northampton: MEF. https://www.mediaed.org/transcripts/Stuart-Hall-Representation-and-the-Media-Transcript.pdf
  • Joly, Martine (2000). Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus Editora.
  • Julier, Guy (2015). From Design Culture to Design Activism. Design and Culture5(2), 215–236.
  • Martins, Fábio de Oliveira (2022). A vida social das imagens políticas: técnica e economia a partir do design ativista. [Dissertação de Mestrado]. Brasilia: Universidade de Brasília.
  • Mauad, Ana Maria (2005). Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas, na primeira metade do século XX. Anais do Museu13(1), 133-174.
  • Prado, Gheysa Caroline (2021). Design ativismo ou design ativista? Estudos em Design29(3), 52-65.
  • Rose, Gillian (2001). Visual Methodologies. Thousand Oaks: SAGE Publications.
  • Schwarcz, Lilia Moritz (2014). Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e seus belos naturais. Sociologia & Antropologia4(2), 391-431.
  • Thorpe, Ann (2012). Picking up moves from social movements [pp. 128-167]. Em Architecture & Design versus Consumerism: How Design Activism Confronts Growth. London: Earthscan.
  • Woodward, Kathryn (2000). Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual [pp. 7-72]. Em Tomaz Tadeu da Silva (Org.), Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. São Paulo: Vozes.
  • World Design Organization-WDO (2015). Definition of industrial design. [Em linha]. World Design Organization. https://wdo.org/about/definition/
  • Zacar, Cláudia Regina Hasegawa (2018). O Design de Interiores como Prótese de Gênero: Um Estudo sobre a Casa Cor Paraná (1994-2017). [Tese de Doutorado]. Curitiba: Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

NOTAS

[1]     Nos afiliamos aos pressupostos teóricos da pesquisadora Martine Joly no que diz respeito a diferenciação entre as imagens, que dizem respeito ao conteúdo, e a mídia (medium), que concerne no suporte pelo qual essas imagens são veiculadas (Joly, 2000).


[2]     “The way in which meaning is somehow given to the things which are depicted through the images or whatever it is, on screens or the words on a page which stand for what we’re talking about”.


[3]     “We seem to step from meaning to meaning along a chain of meanings which is without beginning or end. So, we represent the new by ‘mapping’ it to what we already know. Or we build meanings by giving old meanings new inflections […]. Or we contest meaning, by replacing an old meaning with a new one”.


[4]     “By the term ‘cultural intermediaries’ Bourdieu is referring to that increasingly important group of workers Who play an active role in promoting consumption through attaching to products and services particular meanings and ‘lifestyles’ with which consumers will identify. Put simply, they can be defined as people involved in the provision of symbolic goods and services”.


[5]     A autora elenca doze possíveis táticas de design ativismo: Artefatos de Protesto; Artefato de Serviço; Artefato de Demonstração; Comunicação; Conexão; Sistemas de Classificação; Competição; Exibição; Pesquisa e Crítica; Evento; Convencional; e Troca Social (Thorpe, 2012, p. 138).


[6]     It is situated within everyday contexts and processes of social and economic life. As intervention, it moves within the challenges of pre-existing circumstances, while also attempting to reorientate these. In this way, design activism also operates amongst its others.

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Ronsoni, Vinicius da Silva e Prado, Gheysa Caroline (Noviembre 2023 – Abril 2024). Imagens do dissenso. Proposições teórico-metodológicas para um modelo analítico de imagens ativistas. AREA, 30(1). https://area.fadu.uba.ar/area-3001/ronsoni_prado3001/

Graduado em Tecnologia em Design Gráfico pela Universidade de Passo Fundo (UPF), e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Design na Universidade Federal do Paraná na linha de Teoria e História do Design. Seu tema atual de pesquisa consiste no estudo sobre design ativismo no contexto sociopolítico brasileiro. Publicou no ano de 2022 o estudo “Design de Protesto: O design como ferramenta semiótica da atuação ativista contemporânea” pelo periódico Projética. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9891282990219885.
Professora do magistério superior da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atuando no curso de graduação de Design de Produto e no Programa de Pós-Graduação em Design (PPGDesign). Recentemente realizou pós-doutorado na Chalmers University of Technology em Gotemburgo, na Suécia. Possui mestrado e doutorado em Design (PPGDesign – UFPR). Seus atuais interesses de pesquisa estão focados em design e cultura material, inovação social, design ativismo, design e cidades com foco na mobilidade urbana ativa, produção, circulação e uso de artefatos relacionados a cidades e mobilidade urbana. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1133160732078327.