Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Arquitetura
Resumo
O artigo apresenta um recorte histórico do cenário de uso das tecnologias digitais na América do Sul, mais especificamente, a assimilação da fabricação digital. O objetivo é compreender o papel de certos eventos, atores e como algumas dinâmicas foram instauradas nas áreas de design e arquitetura na primeira década dos anos 2000. Desse modo, configura um panorama de formação do cenário local frente a uma dimensão global, que aconteceu com a aquisição e domínio gradual de software e maquinário para a criação de estratégias que versavam entre a computação e a materialização de protótipos e elementos construtivos.
Palavras-chave
Design digital, Projeto arquitetônico, Ensino, Fabricação digital, Tecnologia digital
Recebido
10 de maio de 2022
Aceito
22 de fevereiro de 2023
O global e o local
A fabricação digital se tornou um campo de experimentação e de estudos para o design, a arquitetura e a construção globalmente, não somente pelas oportunidades de uso das tecnologias correlatas, mas também, pela capacidade de fomentar desenvolvimento técnico e estratégias de aplicação para efeitos materiais. Ao longo das últimas duas décadas, houve uma evolução e crescimento exponencial de interesse em relação ao tema, iniciado por práticas e ecossistemas nos EUA e na Europa e suas aplicações na indústria, em serviços e investigações acadêmicas. Desse modo, naturalmente, devido aos efeitos globalizantes, a fabricação digital se difundiu em países do sul global. É difícil precisar o início das suas atividades de aplicação, já que o seu desenvolvimento aconteceu no âmbito dos avanços militares e para a indústria de manufatura em economias avançadas, sendo, posteriormente, implementada de modo heterogêneo em outros setores. Data dos anos de 1950 a primeira fresadora automática utilizando tecnologia CNC, desenvolvida no MIT (Llach, 2015, p. 35).
A partir de meados dos anos de 1980, são criadas as tecnologias aditivas de estereolitografia, sinterização e depósito de material em camadas (Bogue, 2013), na interface entre pesquisas na universidade e a indústria, culminando em projetos abertos como o da “RepRap”, na University of Bath, em 2004, e na disseminação do processo de prototipagem rápida. Além das tecnologias, contribuiu para a sua divulgação a proposta da criação de espaços MIT Fab Lab pelo mundo, no mesmo período. Na visão de Brett Steele, assim como o pavilhão de Mies van der Rohe e as cúpulas geodésicas de Buckminster Fuller, entre outros exemplos, foram resultados do interesse de arquitetos em conceitos de manufatura, fabricação e nos efeitos da experimentação material, “os cenários para tais investigações hoje são radicalmente diferentes daqueles de seus predecessores em suas realidades de design digital, informacional e em rede. Mas isso, eu argumentaria, é mais uma mudança de grau do que de tipo” [1] (Steele, 2008, p. 3; tradução própria).
Parto da hipótese de que, em nosso contexto sul-americano, atores que estavam inicialmente lidando com inquietações relacionadas à experimentação material, conjugaram práticas computacionais e de manufatura em que, naquele momento, mesmo não reconhecendo as tecnologias digitais como um campo próprio de estudo, mas como um meio, tornaram-se iniciadores de um processo formativo regional que, posteriormente, desdobrou-se em caminhos para a compreensão, assimilação e o estabelecimento da fabricação digital como prática sui generis, de maneira endógena e exógena à academia. O objetivo desse artigo é apresentar parte de uma longa trama de histórias que podem ser contadas acerca do período inicial de assimilação das tecnologias digitais e os discursos vinculados à fabricação digital nas áreas de design e arquitetura da América do Sul, compreendendo como certas dinâmicas foram se instaurando nos primeiros anos desse século, até aproximadamente 2011. Assim, promove uma síntese que indica traços da nossa história, para trazer à tona fatos pouco disseminados até então, posicionando em primeiro plano acontecimentos regionais e da mesma forma, “revelando as histórias locais das quais emergem os projetos globais com seu ímpeto universal” (Mignolo, 2003, p. 46). Apesar das tecnologias terem sido assimiladas aos poucos e de maneira um pouco difusa em nosso continente, mais explicitado na área acadêmica ou ligado a ela, demarca uma mudança de paradigma projetual e epistemológica em relação aos sistemas digitais: dos meios de representação para os meios de materialização.
A base global de informações foi obtida através de revisão bibliográfica de autores reconhecidos na área da fabricação digital. A base local de informações surge de projeto de pesquisa (Scheeren, 2021), no qual se desenvolveu um mapeamento de informações acerca de atores e instituições, eventos e atividades, processos e produção presentes na América do Sul. Nele, realizou-se revisão sistemática de temas vinculados à prototipagem rápida e à fabricação digital em artigos contidos na base CuminCAD –publicados por autores sul-americanos entre o período de 2000 a 2018–, entrevistas, visitas técnicas e estudos de caso, realizados na América do Sul com atores, grupos e laboratórios identificados como atuantes com as tecnologias de fabricação digital. Do escopo da pesquisa, foi recortado o capítulo da história relativa a constituição do cenário de fabricação digital na América do Sul nos últimos 20 anos que, nesse artigo, foi expandido –utilizando as mesmas bases e métodos já indicados– para avaliar um breve período digital prévio, de aquisição de tecnologias de computação, para aprofundar a compreensão de certos conceitos e relações constitutivas. Desse modo, foram selecionados alguns exemplos que serão abordados como estudos de caso para representar certos quadros existentes naquele momento. O que será mostrado são alguns pontos conectados em uma trama histórica mais complexa de apropriação tecnológica, suas condições de assimetria e dependência (Bonsiepe, 2012), servindo como um registro base para futuros desdobramentos em pesquisas que venham a complementar as lacunas deixadas por esse texto.
No princípio, havia o computador…
Para compreender o contexto de assimilação das tecnologias de fabricação digital, é relevante revisitar circunstâncias relacionadas ao uso do computador e dos sistemas CAD e CAAD, como signo de abertura prévia a um paradigma distinto dos processos tradicionais. Uma breve verificação por algumas publicações indica conceitos que emergiam junto com o ensino e as práticas, como o desenho assistido por computador, imagem digital e gráfica digital, estudos de geometria descritiva, sistemas multimídia e a percepção espacial através de estratégias em ambiente CAD (Muñoz, Doberti, Aiello e Blanco, 1997; Morelli e Marina, 1998; Rodríguez Barros y Bund, 1998; Tosello, 1997). Os trabalhos indicam que o acesso a equipamentos de hardware e dispositivos tecnológicos complementares ainda era restrito no final da década de 1990, com poucos cursos contando com a sua disposição efetiva para atualizar os conhecimentos de formação dos futuros profissionais. Por outro lado, o desafio também estava em compreender modos de implementar as novas tecnologias computadorizadas por meio da instalação de laboratórios, de disciplinas nos currículos universitários e também nas práticas projetuais, enfrentando a resistência de uma cultura já estabelecida, sobredeterminada pelo ato criativo utilizando o desenho à mão (Kós e Ferreira, 1993; Montagu, 1998; Montagu, Kós, Rodríguez Barros, Stipech e García Alvarado, 2001; Nardelli, 2001). Complementarmente, os interesses de algumas pesquisas estavam relacionados a temas de referência naquele momento, como a imersão no ambiente virtual tridimensional a fim de simular o espaço arquitetônico e os efeitos do ambiente, a modelagem digital do projeto e processos de animação para demonstração e análise (Delbene e Evans, 1997; Barría Chateau, García Alvarado, Lagos Vergara e Parra Márquez, 1999; García Alvarado, Álvarez, Parra e Berrios, 2004; Ruschel e de Oliveira, 2004).
De acordo com Arturo Montagu, entre 1994 e 1995, a maioria das faculdades de arquitetura e design da América Latina já havia assimilado Tecnologias da Informação em sua infraestrutura, além de novos tópicos de pesquisa no processo de “ensino/aprendizagem”, incluindo procedimentos digitais (Montagu et al., 2001, p. 203). Soma-se a isso, a difusão informal de sistemas CAD no meio profissional, além de propostas de regulamentação governamentais para a implantação dessas tecnologias no ensino superior, que contribuíram para os primeiros passos. Não obstante, nesse mesmo período, ele analisa que “a inserção de sistemas CAD em ambientes acadêmicos e profissionais produziu uma situação complexa onde ainda não foram encontradas soluções ótimas para a integração efetiva desses sistemas” [2] (Montagu, 1998, p. 19; tradução própria).
Apesar dos primeiros passos, Montagu aponta que “devido a intensos colapsos financeiros e políticos, cada país desenvolveu abordagens distintas, baseadas, principalmente, em ações individuais mais do que em uma política de integração dentro do sistema curricular das instituições de ensino” [3] (Montagu et al., 2001, p. 203; tradução própria). Nesse sentido, ademais as possíveis resistências à introdução das novidades tecnológicas nas instituições formativas ou no setor da construção, que implicavam uma mudança radical na cultura de projeto, fatores externos também contribuíam como limitantes.
Outros fatores fundamentais para a assimilação das Tecnologias da Informação foram a implementação de centros digitais, o surgimento de grupos de pesquisa e atividades institucionais ligadas ao tema, que difundiram técnicas CAD (Computer Aided Design) e CAAD (Computer-Aided Architectural Design) –entre o uso de software genéricos e específicos para a área–, métodos de design, conhecimentos acerca das ferramentas e a sua aplicabilidade em projetos acadêmicos e de auxílio à atividade profissional. Como precursores, o professor Gonzalo Velez Jahn criou, em 1974, o primeiro laboratório de informática para procedimentos avançados de projeto na Faculdade de Arquitetura da Universidad Central de Venezuela, em Caracas (Montagu et al., 2001, p. 202). Em 1984, iniciou-se a difusão dos sistemas CAD na Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo da Universidad de Buenos Aires (Montagu et al., 2001, p. 205) e, em 1989, o Centro de Criação Assistida por Computador (Creación Asistida por Ordenador ou CAO) foi formado graças a uma doação do governo suíço (Montagu, 2005, p. 413). No Chile, país em que a interação com universidades americanas e britânicas alcançou presença mais intensa, a Universidad de Chile foi pioneira na utilização de sistemas CAD, utilizando uma versão inicial do AutoCad customizado (Montagu et al., 2001, p. 206). O Brasil se enquadrou nessa dinâmica com a implantação de cursos de computação aplicada à arquitetura, basicamente a partir de uma portaria publicada pelo Ministério de Educação e Cultura em 1994, instituindo a obrigatoriedade do ensino da informática nos cursos de arquitetura do país, denominado Programa de Informatização do Ensino de Arquitetura e Urbanismo.
A percepção do potencial das novas tecnologias de informática e sua introdução como ferramentas de ensino fomentou a criação de grupos e laboratórios na introdução de disciplinas de gráfica aplicada e CAD em cursos superiores nas universidades que, posteriormente, foram adquirindo tecnologias de prototipagem ou assimilando seus usos. Os primeiros grupos de pesquisa no Brasil que surgiram sob essa ótica foram o Laboratório de Computação Gráfica Aplicada à Arquitetura e ao Desenho (LCAD) na Universidade Federal da Bahia, em 1992, fundado pelos professores Arivaldo Leão Amorim e Gilberto Corso Pereira, e o Laboratório Gráfico para Experimentação Arquitetônica (LAGEAR), em 1993, por Maria Lúcia Malard, na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Também surgiram espaços com funções didáticas diversas, como o Laboratório de Simulações e Modelamento em Arquitetura e Urbanismo (SimmLab) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1994, por Benamy Turkienicz, o Centro de Informática y Diseño (CID) na Universidad Nacional del Litoral em Santa Fé, em 1995, por Mauro Chiarella e Mari Tosello, e o Area Computacional da Universidad Tecnica Federico Santa Maria, no final dos anos 1990, por Marcelo Bernal, Pol Taylor, Pedro Serrano Rodríguez e Luis Felipe González Böhme. Inclui-se nesse panorama, a consolidação da Maestría en Diseño de Procesos Innovativos na Facultad de Arquitectura de la Universidad Católica de Córdoba, em 2005, por Inés Moisset de Espanés, com trajetória de estudos de fractais e formas arquitetônicas com programação computacional primitiva, desde o início dos anos de 1990 (Moisset, 2003). Esses episódios, entre outros tantos, configuraram uma fase digital prévia que facilitou a assimilação das tecnologias de fabricação.
Marco relevante nesse período foi a criação da Sociedade Ibero-americana de Gráfica Digital (SIGraDi), pelo argentino Arturo Montagu, com a organização do primeiro “Seminar on Digital Graphics” na Universidad de Buenos Aires, em 1997. Esse projeto se desdobrou, nos anos seguintes, “como organização interdisciplinar focada no uso de gráfica digital como meio de mapear a evolução do conhecimento contemporâneo” [4] (Montagu, 2005, p. 414; tradução própria), primordial para a divulgação e aprimoramento do conhecimento acerca desse complexo mundo digital de possibilidades que se abria aos olhos dos sul-americanos.
O panorama das áreas de arquitetura e design do norte global fomentou, de modo crescente, a aplicação das novas tecnologias digitais por volta dos anos 2000, o que significou a ênfase na virada digital (Carpo, 2013), promovendo a dimensão da variação na produção, uma nova distinção técnica e de cultura tectônica, e o empenho pela customização, numa condição de desenvolvimento de projetos que alcançam relevância pela potência do uso experimental das ferramentas digitais. Acompanhando esse direcionamento, no cenário do sul global, percebeu-se a oportunidade de avançar em outras frentes, sobretudo, estimulado por estratégias e técnicas para transpor a lacuna entre concepções virtuais e a produção, no sentido de implantar práticas materiais mediadas pelas tecnologias mais avançadas disponíveis no momento.
Primeiras aproximações e experimentos utilizando tecnologias de fabricação
Podemos considerar que a apropriação das tecnologias de fabricação digital iniciou no contexto sul-americano de maneira muito especulativa e experimental, com o intuito de se aproximar das mesmas e testar as suas possibilidades como ferramentas de geração de complexidade. Além disso, manifestou-se como uma oportunidade, que foi percebida aos poucos, na criação e materialização de projetos, partindo da geração de protótipos para uma ampliação em escala de propostas com significado mais direcionado a solução de problemas técnicos e construtivos. No início dos anos 2000, a fabricação digital começou a ser assimilada pelos meios institucionais de ensino e pesquisa da região, através da expansão da importação e comércio de maquinário não restrito à indústria, além do estabelecimento de conexões entre profissionais da área. Nesse momento, a ideia de “fabricação digital” derivou da prototipagem rápida e da sua aplicação para o desenvolvimento de protótipos de produtos, o que exigiu não só a disponibilidade das máquinas, mas também um esforço de compreensão acerca de seu potencial técnico (Lopes da Silva, Saura, Bergerman e Yamanaka, 2000).
Podemos considerar que de meados dos anos de 1990 até o início dos anos 2000 houve um período de pré-implantação de infraestruturas laboratoriais para a utilização da fabricação digital, sendo um momento de convergência das influências trazidas do exterior, apoiado em grupos de pesquisa iniciantes ou já existentes. A primeira fase de implantação dos laboratórios de fabricação digital na região ocorreu entre os anos de 2005 e 2011, formando espaços com identidades próprias para o uso das novas tecnologias e desenvolvendo atividades experimentais relacionadas à arquitetura, ao design e à construção. Os atores que implantaram os laboratórios de processos, computação e representação, que se desdobraram em espaços estruturados ou de práticas que empregam tecnologias de fabricação digital, o fizeram com base em conhecimentos e experiências adquiridos em centros de formação e pesquisa situados no hemisfério norte, o que denominamos de “movimentos migratórios” (Sperling, Herrera e Scheeren, 2015).
Os primeiros experimentos registrados nesse campo são resultados particulares de investigações conceituais e materiais, utilizando-se a manufatura aditiva como método de prototipagem rápida de elementos complexos. Em uma dessas oportunidades, a partir de pesquisa de pós-graduação efetuada na Universidade de São Paulo, no início dos anos 2000, David M. Sperling utilizou processos de prototipagem rápida, principalmente a tecnologia de sinterização a laser, disponível no Centro de Pesquisas Renato Archer, vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, que há quatro décadas concentra em laboratórios maquinário avançado para o fim de pesquisas e colaborações por meio de projetos de interesse do setor acadêmico, industrial, de serviços e do Governo. Com ela, criou modelos conceituais de lâminas curvilíneas, fitas e fios entrelaçados, objetos-diagrama em pequena escala e alta capacidade de resolução, que representam “o desenvolvimento de explorações formais de caracterizações topológicas” (Sperling, 2002, p. 262), como a continuidade espacial e de descontinuidade de superfícies.
Os termos de referência do trabalho estão calcados nas ideias em voga no final dos anos 1990, como animação da forma, arquiteturas líquidas e hipersuperfícies desenvolvidas no ciberespaço. Por meio desse exercício, realizou-se uma síntese entre diversas estratégias, com o intuito de incrementar processos de projeto existentes e promover uma mudança de paradigma: de projeções bidimensionais e a subsequente montagem da forma para objetos físicos modelados diretamente com formas complexas, ao “alterar a ênfase no estático e na permanência para o dinâmico e o efêmero” (Sperling, 2002, p. 261). Para alcançar esse objetivo, foi fundamental o uso de software versáteis nesse quesito, como o sistema de geração algébrico Maple, e os de modelagem e animação Maya e SolidWorks
No contexto de implementação do Programa de Mejoramiento de la calidad y la equidad en la educación terciaria (MECESUP) pelo Governo do Chile, a partir de 1998 –que financiou ações de melhoramento acadêmico e de infraestrutura em 25 Universidades no país, com empréstimos do Banco Mundial–, foi possível a incorporação de tecnologias CAD/CAM –com máquinas de corte CNC, prototipagem rápida e digitalização tridimensional–, na Faculdade de Arquitetura e de Design da Pontificia Universidad Católica de Chile, por volta de 2003 (Labarca e Lyon, 2006), que permitiram a criação do Laboratorio de imagen sólida e o Laboratorio de Corte y Fresado CNC no Laboratorio de Modelos y Prototipos (LAB-FADEU). Em meio a essa condição, Claudio Labarca e Arturo Lyon utilizaram tecnologias de modelagem, animação e prototipagem rápida, mais especificamente, a tecnologia de depósito de filamento fundido com máquina Stratasys BST, na Pontificia Universidad Católica de Chile, para criar um módulo de simulação dinâmica, baseado em curvas aleatórias que compõem uma superfície delgada contínua (Labarca e Lyon, 2006).
Experimentos como esse tomaram como base a filosofia de Deleuze, as experiências de Greg Lynn e o conceito de “forma anexacta [forma inexata]” (Labarca, Culagovski e Lagos, 2005, p. 266), além de utilizarem como referência o processo criativo de Frank Gehry, para enfatizar tecnologias de modelação, animação e prototipagem (Labarca, Culagovski e Lagos, 2005). As práticas foram se instituindo, dentro dos cursos, na área de representação e simulação, mas aproveitando-se dessa abertura em experimentações didáticas que versaram por variações e deformações plásticas da forma para “informar e modificar o próprio processo de projeção” [5] (Labarca, Culagovski e Lagos, p. 264; tradução própria). Os resultados desses projetos foram alcançados com base no uso dos softwares de modelagem e animação 3ds Max 5.0 e Wavefront Maya.
Situação semelhante ocorreu na Universidad Técnica Federico Santa María, em que a Faculdade de Arquitetura também foi beneficiada pelo programa MECESUP e, assim, por volta de 2004, adquiriram a primeira fresadora CNC. Contudo, a assimilação das tecnologias de fabricação digital é precedida por experiências convergentes, a partir da formulação, em 1997, de um estúdio digital com computadores Silicon Graphics nos quais se utilizava Wavefront Maya, a associação com o laboratório de manufatura automatizada que estava ligado aos cursos de engenharia e, em 1998, com o convite para desenvolver, a pedido da Força Aérea do Chile, o projeto da “Estación Polar Teniente Arturo Parodi”. Assim, juntaram-se Marcelo Bernal, Pol Taylor, Pedro Serrano, Francisco Valdívia e um grupo de estudantes da instituição para desenvolverem o projeto, já que haviam dado esse salto tecnológico com o laboratório de modelagem recém-instalado na instituição, aproximações tecnológicas com a engenharia e testes com protótipos materiais em escala. Inspirados pela arquitetura digital da época, o projeto da estação resulta em módulos com formas arredondadas e com dupla curvatura, e o desenvolvimento dos protótipos funcionais em compensado naval, fibra de vidro e coberturas tensionadas (Bernal, Taylor e Valdivia, 2015).
É nessa fase de transição para a aquisição efetiva das primeiras máquinas de fabricação digital que o maior desafio se tornou transitar de uma especulação virtual para a aplicação no campo material (Bernal e Taylor, 2007). Na continuidade dos experimentos realizados com estudantes na Faculdade de Arquitetura, desenvolvem técnicas de produção material combinando geometrias, propriedades e comportamento com processos de fabricação baseados em regras que subjazem o uso de baixas tecnologias, promovendo uma espécie de inversão na dinâmica de projeto e fomentando lógicas de criação artesanal. Através da percepção do material como elemento ativo, são operados moldes com materiais fluidos, tecidos e linhas, e superfícies laminares, gerando sistemas tectônicos com potencial de variação, adaptação e improvisação que, assim, podem combinar a modelação digital e o material (Bernal e Taylor, 2007, p. 288). Inspirados nas proposições de Greg Lynn e Neil Leach, divulgadas no início do século, Bernal percebe que incorporar essas novas estratégias e tecnologias traz uma mudança qualitativa ao cenário de ensino.
Ante as preexistências nas Faculdades de Arquitetura e Design e o uso de maquinário terceirizado em instituições, é em 2006 que surge, formalmente, o primeiro laboratório criado como uma infraestrutura e propósito de manufatura digital. O Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (LAPAC), foi implantado na Universidade Estadual de Campinas, por Gabriela Celani, com fomento de agências estatais como a FAPESP, a CAPES e o CNPq. Antes de iniciar as atividades com o laboratório, Celani lecionou cursos de programação em interfaces CAD na Unicamp, mais especificamente, utilizando Visual Basic para AutoCAD e seguindo estratégias de implementação em projeto, numa forma de promover experiências pedagógicas para que os estudantes incorporassem novas habilidades que “can improve logic reasoning and conceptual thinking in design [podem melhorar o raciocínio lógico e o pensamento conceitual em projeto]” (Celani, 2008, p. 2). Derivado da sua vivência pessoal nas novas “oficinas de fabricação” do MIT, a concepção desse tipo de espaço procedia de uma abordagem mais científica dos processos experimentais, sistematizados com métodos e documentação das atividades (Celani, 2012, p. 473). Apesar dessa motivação, o local no qual o laboratório foi instalado “não foi originalmente projetado especificamente para um laboratório” [6] (Celani e Pupo, 2010, p. 66; tradução própria).
A infraestrutura foi montada com uma impressora 3d Binder Jetting ZCorp 310 plus e uma cortadora a laser Universal Laser Systems X-660, posteriormente complementada por uma fresadora CNC e, assim, introduzindo máquinas com capacidade de prototipagem em nível avançado ao alcance dos estudantes. Nessa primeira etapa, o processo de consolidação ocorreu com a contribuição de Regiane Pupo, em que, como outros laboratórios, aplicaram as tecnologias “explorar as capacidades específicas de cada máquina” [7] (Celani, 2012, p. 478; tradução própria) em propostas de atividades guiadas para criar modelos de projetos arquitetônicos, explorando formas complexas e produzindo sistemas construtivos em escala reduzida. A partir da compreensão das estratégias de prototipagem rápida em modelos, foram gerados alguns experimentos em escala real, determinados por demandas e problemas. Esses processos contribuíram para o curso de arquitetura, tanto no apoio ao desenvolvimento de tarefas, como em atividades de pesquisa voltadas à prática e à inserção do design computacional, focadas em 3 linhas de pesquisa: automação do processo de projeto, projeto generativo e fabricação digital (Celani, 2013, p. 3).
Em estratégia similar de lecionar cursos envolvendo computação, Pablo Herrera, após participar de uma oficina de programação com RhinoScript realizada na escola de Arquitetura do MIT, na qual se exploravam soluções de design para a fabricação, articulou estratégias para introduzir práticas de programação que fornecessem alternativas à dependência das ferramentas de software interativo. Desse modo, organizou em 2006 e 2007, na Universidad de Chile, oficinas de soluções de design computacional, que contou com instrutores ligados ao MIT, para ensinar programação básica, em que “o objetivo era dotá-los de ferramentas conceituais e técnicas que lhes permitissem decidir quando e como a programação pode se tornar uma aliada do processo de projeto” [8] (Herrera, 2007, p. 98).
As atividades das oficinas consistiam em explorações geométricas que deveriam ser convertidas em um conjunto de instruções, passando por operações algébricas, atribuição de valores, habilidade de estabelecer relações e gerar alternativas, que avançou para a criação de scripts em RhinoScript. Os resultados apresentavam padrões geométricos e suas variações que complexificavam a modelagem de objetos. A experiência de Herrera com as oficinas foi expandida, posteriormente, para o Peru e outros países, influenciando profissionais sem conhecimento prévio a se aproximarem da programação e desdobrarem experimentos para projetos diversos. Em seus relatos, evidencia que na América Latina ainda existia pouco maquinário acessível e, assim, diferentemente do hemisfério norte, iniciou-se pelo processo de computação em si e sua exploração formal, não para se obter soluções para problemas de fabricação.
Na área do desenho industrial, Patricia Muñoz, Roberto Doberti e o Laboratorio de Morfología na Universidad de Buenos Aires foram precursores na vinculação do design de produtos com as tecnologias digitais. O que iniciou com procedimentos generativos para a criação de superfícies espaciais transitando entre o côncavo e o convexo, utilizando software 3D Studio e Autosurf (Muñoz et al., 1997), incorporou, com o tempo, máquinas de controle numérico para “desafiar os limites dessas tecnologias com formas de maior complexidade que eram viáveis não apenas por sua possibilidade de realização, mas também porque não aumentavam substancialmente os custos” [9] (Muñoz, 2007, p. 265; tradução própria). Por meio desses procedimentos, instauraram uma investigação para conectar o saber geométrico e a capacidade morfogenerativa das tecnologias digitais, já a partir de 2005, para se pensar produtos com novos atributos formais, alcançando técnicas como o “desdobrado” [10] (Muñoz, 2007, p. 267; tradução própria).
Com o desdobramento das atividades, apresentam resultados com variações morfológicas a partir das distintas tipologias de corte realizadas em superfícies utilizando cortadora laser, alinhados ao projeto de investigação “Morfología y Fabricación Digital”. A aplicação das tecnologias no processo de produção dos artefatos permitiu o desenvolvimento técnico de “atribuir flexibilidade a uma placa rígida, desde a densidade e forma dos cortes” [11] (Muñoz, López Coronel, Ovin, Bluguermann e Sequeira, 2009, p. 286; tradução própria). Além do trabalho prático, verificaram, por meio de questionários com designers industriais da região da grande Buenos Aires, que o uso das tecnologias digitais “estão mais difundidas e incorporadas do que inicialmente presumimos” [12](Muñoz et al., 2009, p. 286; tradução própria), averiguando a aplicação desses meios para produtos de produção única, criação de maquetes e para efetuar a verificação funcional de protótipos – é relevante indicar o interesse convergente na área de desenho industrial no país e o uso dessas tecnologias, com o apoio do Centro de Investigación en Diseño Industrial de Productos Complejos da UBA, da divisão de Desarrollo Tecnológico e Innovación e do Laboratorio de Tecnologías Emergentes do Instituto Nacional de Tecnología Industrial (INTI).
O uso das tecnologias na região também avançou e se difundiu por meio de exercícios coordenadas em parceria entre profissionais e laboratórios que estavam surgindo. Uma das primeiras experiências procedeu de um projeto de investigação fomentado pelo fundo de desenvolvimento científico e tecnológico do Governo do Chile (FONDECYT), que reuniu instituições do Chile, Argentina e Brasil, em atividades realizadas entre 2007 e 2009. Desse modo, atores como Rodrigo García Alvarado, Claudio Labarca, Mauro Chiarella e Underlea Bruscato, entre outros, estruturaram ações práticas de projeto em instituições como a Universidad del Bío-Bío, Universidad de Concepción, Pontificia Universidad Católica de Chile, Universidad Católica de Córdoba e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos. As ações envolveram a elaboração de uma série de oficinas e disciplinas optativas que resultaram em projetos, protótipos e modelos de elementos construtivos, explorando o uso de tecnologias subtrativas de fabricação para pré-fabricação (García Alvarado, Lagos, Salcedo, Ramos, Labarca e Bruscato, 2009). Os resultados demonstraram uma modificação na compreensão do ato projetual, caracterizada como variável e operativa, em que “o processo de projeto é modificado ao considerar certos elementos ou características de execução” [13] (García Alvarado et al., 2009, p. 130; tradução própria).
Em 2010, uma iniciativa colaborativa entre Benamy Turckienicz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Rodrigo García Alvarado, da Universidad del Bío-Bío, resultou na proposta da “Casa Generativa”, um protótipo de sistema construtivo para habitação de baixo custo, baseado em procedimentos generativos dos elementos e o uso de tecnologias de corte e fresado por controle numérico. O projeto foi desenvolvido a partir da ideia de flexibilidade e produção em massa, avançando de modelos cortados a laser na escala 1:10, até a produção em escala real por meio da parceria entre indústrias e a academia. Para tanto, utilizou-se painéis de madeira composta que compunham as diferentes partes da edificação, como paredes e cobertura, em que um “sistema de montagem foi desenvolvido para relacionar todos os componentes através de uma modulação que utilizou um número mínimo de peças de junção” [14] (García Alvarado e Turkienicz, 2010, p. 386; tradução própria). O processo de projeto seguiu estudos preliminares em protótipos e modelos residenciais com seccionamento de peças e encaixes, simulando componentes da edificação em escala reduzida, modelados em 3DS Max e Revit, e utilizando o corte a laser (García Alvarado, 2009).
O modelo Fab Lab, que nesse período já estava difundido e reconhecido como uma plataforma aberta e acessível, adentrou a América do Sul, primeiramente, estabelecido como proposta no Fab Lab Lima, entre 2009 e 2010, após os estudantes Benito Juarez e Víctor Freundt participaram do programa de formação Fab Academy, realizado em Barcelona, pelo Fab Lab Barcelona. O projeto de implementação efetivo ocorreu com o apoio do Instituto de Arquitetura Avançada da Catalunha (IAAC) e da agência espanhola de cooperação internacional para o desenvolvimento (AECID), financiando o treinamento dos alunos e também a implantação do primeiro Fab Lab na América Latina, na Faculdade de Arquitetura da Universidad Nacional de Ingeniería, o Fab Lab UNI, em 2010. Quase que simultaneamente, o Fab Lab SP foi instalado em 2011, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, por iniciativa de Paulo Eduardo Fonseca de Campos, coordenando o grupo de pesquisa DIGI FAB da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A criação dos dois primeiros Fab Labs recebeu suporte institucional para implementação, o que facilitou essa primeira etapa.
Em 2010, foi fundado o El reactor, Fab Lab privado pioneiro na cidade de Buenos Aires, por Jose Garcia Huidobro, como um espaço de criação aberto a estudantes, artistas e ao público em geral, no qual se ofereciam cursos de formação. A partir dessa organização, foi implementado o grupo Rep Rap Argentina, destinado a difundir o conhecimento sobre os projetos de impressoras 3D de baixo custo. Posteriormente, no mesmo local, foi fundado o Fab Lab Buenos Aires, com uma proposta de funcionamento mais alinhada com o modelo do MIT, de democratizar o acesso da população às novas tecnologias. Nesse caso, a sua concretização ocorreu de maneira pessoal e particularizada, difundindo-se através de grupos de interesse, não apenas pelos novos modos de fazer, mas devido a realização de projetos acessíveis intermediados pelas tecnologias digitais. No Chile, a implantação de laboratórios de fabricação aconteceu de maneira difusa, em que o primeiro local a estabelecer um espaço associado ao modelo Fab Lab foi a Escuela de Diseño da Universidad Adolfo Ibáñez, em Santiago, com o Fab Lab UAI, no ano de 2011, por Sergio Araya, após estudos no MIT. No Uruguai, a criação do LabFabMVD na Universidad de la República, em 2011, foi possível pela aquisição de maquinário através da rede ALFA Gaviota, programa parcialmente financiado pela União Europeia.
Para além da área acadêmica, eventos itinerantes contribuíram para a difusão das tecnologias computacionais e de fabricação digital. Um exemplo notável é o programa AA Visiting School, uma extensão das práticas desenvolvidas na Architectural Association School of Architecture de Londres, realizadas com algumas edições na região. Essas iniciativas de transferência de conhecimento aconteceram no continente desde os anos de 2010 a 2012, principalmente em Santiago, São Paulo e Buenos Aires. Os workshops foram ministrados em parceria entre pesquisadores locais, parte deles formados na AA, e profissionais convidados de outras instituições ou da própria AA, focando no desenvolvimento de projetos baseados no design computacional e em técnicas híbridas de montagem dos artefatos, com o auxílio de tecnologias de fabricação digital. Em São Paulo, a atividade ocorreu pela primeira vez em 2010, coordenada por Anne Save de Beaurecueil e Franklin Lee, mediante uma oficina intitulada “Micro-revolutions”, na qual foram criados equipamentos urbanos para a reabilitação de um espaço sob um viaduto da cidade. Nesse sentido, apresentaram abordagens computacionais e de fabricação que eram bastante distintas e independentes das promovidas até então por certos atores da região.
Mudanças de perspectiva nas práticas digitais regionais
Fundamentado nos casos apresentados, mapeados a partir da pesquisa e revelando os principais experimentos registrados nesse período, pretendeu-se demonstrar o caráter histórico da formação de uma conjuntura regional e de suas peculiaridades, no sentido de registrar certos marcos, mas compreendendo que não se resumem a eles. Essa trajetória é demonstrada utilizando-se publicações próprias dos atores como base primária de referências, acessando informações e intenções que representam influências e os primeiros passos de assimilação das tecnologias digitais, em distintas situações e contextos sul-americanos. Dessa forma, distingue-se o esforço empreendido e o caráter precursor de atores e de instituições na Argentina, no Chile e no Brasil, complementados por agenciamentos ocorrendo de maneira segmentada em outros países da América do Sul. Esse esforço ocorreu, essencialmente, sob o estímulo de programas de governo e o incentivo de políticas públicas, mesmo que tímidas ou internacionais, de fomento e desenvolvimento de setores específicos da educação e da interiorização de processos similares aos de produção.
As atividades retratam uma busca continua pela compreensão e adaptação das capacidades outorgadas pelas ferramentas digitais, e sua consolidação por meio de estratégias adaptadas a um contexto em formação, ainda que com poucos especialistas, cultura incipiente e recursos escassos. É representativo que a adoção da computação precede uma série de questões que se desdobrariam de modo similar com a adoção da fabricação digital, como a articulação de métodos de projeto, estratégias operacionais, conceitos e imaginários tecnológicos que demarcaram a automação dos processos e a geração de experimentos, na produção de resultados tanto especulativos quanto pragmáticos. Nessa trajetória, é reconhecido também que alguns eventos ou propostas promovidas individualmente, mesmo que não institucionalizados, como cursos, workshops e palestras, obtiveram efeitos que desencadearam o envolvimento de outros profissionais com as tecnologias digitais em anos posteriores.
A adoção das tecnologias digitais emergentes em cada momento transcorreu por diversos meios, e os de maior destaque foram os desdobramentos efetivados por caminhos acadêmicos e institucionais. Isso se deveu à existência de alguma infraestrutura prévia e de investimentos direcionados para a aquisição de equipamentos, além de financiamentos para pesquisa sendo utilizados para material de consumo e bens duráveis, mesmo considerando dificuldades latentes de recursos. Ainda assim, percebemos a importância das universidades, preponderantemente as de caráter público, e as agências de fomento governamental, com seu papel fundamental no sentido de aperfeiçoamento do panorama instituído. Na sequência, o aparecimento de comunidades maker e a criação de Fab Labs que, apesar de bem posteriores ao surgimento e difusão no norte global, iniciaram de modo tímido e, nos anos que se seguiram, enraizaram-se com a influência do movimento no exterior e o crescimento exponencial de novos laboratórios em rede. De maneira complementar, conferências, congressos e workshops, que se realizaram por um esforço coletivo, foram elementos substanciais para a criação de um campo abrangente de estudos e debates, além do avanço e divulgação de novas técnicas e modos de apreensão das tecnologias digitais.
As atividades e a produção de artefatos emergiram de modo heterogêneo, partindo de interesses e investigações pessoais, inicialmente, com explorações de formas complexas e da capacidade operativa de cada uma das máquinas, com base em referências construtivas contemporâneas e das possibilidades outorgadas por programas de modelagem e animação. O acesso mais facilitado a software CAD e a interfaces de programação permitiu experimentar composições de projeto que, com a aquisição de máquinas, seguiu para o desenvolvimento de estratégias e lógicas construtivas considerando técnicas, materiais e a área útil de produção de cada equipamento. Mesmo que se utilizassem materiais mais adequados para protótipos e modelos de representação, a preocupação em tornar as ideias concretas acabou “revelando uma transferência das tarefas de projeto, normalmente concentradas nas fases iniciais do processo, para a execução dos componentes para obter novas possibilidades arquitetônicas e uma construção mais eficiente” [15] (García Alvarado, 2009, p. 423; tradução própria). Aos poucos, esse processo também foi constitutivo de práticas em rede e o início de colaborações e parcerias. Com efeito, a consolidação dessas práticas fomentou que procedimentos “mão na massa” estivessem mais presentes, também, em disciplinas dos cursos de graduação.
Conclusão
Por meio da investigação mais detalhada acerca dos experimentos realizados, pode-se trazer à tona o contexto e os processos iniciais de introdução e assimilação da fabricação digital e a relevância dos conhecimentos de programação e modelagem apreendidos e aplicados, indicando que houve uma contribuição gradual entre as esferas computacional e de fabricação, convergindo propostas de projeto, iniciativas acadêmicas e profissionais com atores que “caminhavam por ambos os mundos”. As práticas locais ganharam preponderância a medida que demonstraram estratégias situadas de resolução de problemas, materialidades construtivas contextualizadas às necessidades de adequação das atividades, impulsionaram ações de pesquisa e desenvolvimento correlatas e estimularam o interesse de profissionais que, aos poucos, aproximaram-se das tecnologias digitais.
A práxis decorrente é caracterizada pelo desenvolvimento de habilidades lógicas e de controle computacional das tarefas, manipulação de experimentos materiais coligados a avanços técnico-construtivos, materialização facilitada de formas e objetos únicos, capacidade de representar, analisar e testar os resultados, capacidade de controle e execução de partes do projeto, e pela colaboração pessoal ou em rede. Dessa maneira, os hibridismos (García Canclini, 2015) partiram da sobreposição de propostas formais advindas de referências do norte global com experimentos conceituais/formais e, aos poucos, com a ampliação da compreensão tecnológica, materializando proposições técnico/simbólicas de componentes construtivos em seu papel de tensionar a carência de ferramentas e máquinas mais avançadas para efetivar o conjunto do processo de modo mais automatizado, apesar da própria condição material ■
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NOTAS
1. “The settings for such investigations today are of course radically different from that of their predecessors in their digital, informational, and networked design realities. But this, I would argue, is more of a change in degree than kind”.
2. “La inserción de los sistemas CAD en los ambientes académicos y profesionales produjo una situación compleja en donde todavía no se han encontrado soluciones óptimas para la integración efectiva de estos sistemas”.
3. “Due to intensive financial and political breakdowns, each country have developed different approaches based mainly on individual actions more than in an integration policy inside the curricular system of the educational institutions”.
4. “As an interdisciplinary organization focused on the use of digital graphics as the means to map the evolution of contemporary knowledge”.
5. “Informar y modificar el proceso mismo de proyección”.
6. “Was not originally designed specifically for a laboratory”.
7. “To explore the specific capacities of each machine”.
8. “El objetivo fue proporcionarles herramientas conceptuales y técnicas que les permitan decidir cuándo y de qué manera la programación puede volverse un aliado del proceso de diseño”.
9. “Desafiar los límites de estas tecnologías con formas de mayor complejidad que fueron viables no sólo por su posibilidad de concreción sino porque no aumentaban sustancialmente los costos”.
10. “Desplegado”.
11. “Otorgar flexibilidad a una plancha rígida, desde la densidad y forma de los cortes”.
12. “Están más difundidas e incorporadas que lo que primeramente presumimos”.
13. “El proceso de diseño se modifica al considerar elementos o características determinadas de ejecución”.
14. “Assembly system was developed to relate all components through a modulation and used a minimum number of joint pieces”.
15. “Revelando un traslado de las tareas de diseño, normalmente concentradas en las fases iniciales del proceso, hacia la ejecución de los componentes para obtener nuevas posibilidades arquitectónicas y una edificación mas eficiente”.
SECCIÓN DEBATES
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Scheeren, R. (Noviembre de 2022 – Abril de 2023). Outros olhares para a práxis no design e na arquitectura. Notas sobre o principio do uso das tecnologías de fabricação digital na América do Sul. [En línea]. AREA, 29(1). Recuperado de https://www.area.fadu.uba.ar/area-2901/scheeren2901/